Nos últimos dias, observo com muita atenção um fenômeno que insiste se firmar em nosso meio. A intolerância anda assolando nossa sociedade. Na verdade, ela sempre esteve a espreita, rondando, atacando aqui e ali, mas agora parece que está mais robusta e institucionalizada.
Para falar do tema, vou por outro viés, que me agrada muito mais. Falo na "senhora Tolerância" como harmonia na diferença, enquanto respeito, aceitação e apreço da riqueza e da diversidade que existe no mundo. A tolerância está intimamente ligada com nossa qualidade de seres humanos. Se forma pelo conhecimento, abertura de espírito à comunicação e à liberdade de pensamento, de consciência e de crença.
A tolerância é uma virtude que torna a paz possível e contribui para substituir uma cultura de guerra por uma cultura de paz e, por isso, não só um dever de ordem ética, mas é igualmente uma necessidade política e jurídica para a convivência e o bem comum.
Por isso, a "Tolerância" não é uma concessão ou indulgência. A tolerância se firma sobretudo no reconhecimento dos direitos universais da pessoa humana e das liberdades fundamentais do outro. E não se pode, em hipótese alguma, ser invocada para justificar lesões a esses valores basilares. Não há exceção à regra de que a tolerância é necessária para vivermos em sociedade, sob pena de sermos massacrados uns pelos outros como lobos que matam lobos.
Quando falamos em tolerância nos referimos a seres humanos, mas havemos de lembrar que a tolerância deve ser praticada também entre grupos e pelo Estado. Se eu, individualmente, sou capaz de tolerar uma outra pessoa, eu como parte de um grupo, também, tenho que ser capaz de promover a tolerância entre os diversos grupos que pertenço.
Aqui, a tolerância se assenta enquanto sustentáculo dos direitos humanos, do pluralismo, da democracia e do Estado de Direito. Sendo veementemente contrária ao dogmatismo e ao absolutismo que suplanta a existência de uma sociedade livre e igualitária em qualquer lugar do mundo.
Exercitar a tolerância não significa tolerar a injustiça social, nem renunciar às próprias convicções, nem fazer concessões a respeito. A prática da tolerância significa que toda pessoa tem a livre escolha de suas convicções e aceita que o outro desfrute da mesma liberdade. Eis aqui, o núcleo da questão. Da mesma forma que eu tenho convicções e as defendo com todo vigor, as outras pessoas, que são seres humanos como eu, também têm o mesmo direito.
Significa aceitar o fato de que os seres humanos, se caracterizam naturalmente pela diversidade de seu aspecto físico, de sua situação, de seu modo de se expressar, de seus comportamentos e de seus valores, têm o direito de viver em paz e de ser tais como são. Aqui está o reconhecimento e valorização da condição humana na sua essência.
Vale resgatar um viés importante, a de que o Estado precisa exercer a tolerância e o fazer em benefício e em respeito a condição humana inerente a todos nós. Não há dentro do Estado Democrático de Direito a possibilidade de concebermos um Estado fora da Tolerância, ou seja, não pode, sob pena do totalitarismo, estarmos reunidos à luz de um Estado que exala intolerância e, portanto, despreza a condição humana.
Texto: Deborá Evangelista
Advogada